Paixão e Vida na Neve

21/03/2023

Ludmila adorava o sol. Ela detestava tempos chuvosos e abominava o frio.

No entanto, ela tinha ganhado um sorteio no Instagram e ganhara justamente uma viagem para curtir o inverno em Bariloche. O prazer em viajar falou mais alto do que o desgosto pelo frio e ela foi.

No dia da viagem acordou cedo, passeou com seu shihtzu de estimação, depois correu em volta da lagoa da Pampulha, ao final do treino, debaixo de um sol de 32 graus, ela tomou água de coco e foi para casa, preparar os documentos para viagem.

Ela era uma morena linda e vários rapazes a observavam, sem nenhum deles ter a atitude de vir falar com ela, há como ela estava farta desses homens frouxos.

Nas malas ela só colocou o básico, algumas leggings, botas e sobretudo, estava um pouco ansiosa, era sua primeira viagem internacional e ela ia sozinha. Engoliu a ansiedade, o medo e o desgosto pelo frio e embarcou no avião.

O avião decolou do aeroporto de Confins direto para Buenos Aires, ela iria de ônibus para o hotel em Bariloche.

Se surpreendeu com o frio, vestiu todas as peças de roupas sobrepostas e nada de esquentar, esbravejava em seu quarto quando foi interrompida pelo serviço de quarto. Era um lindo rapaz argentino, na Argentina tanto rapazes quanto moças limpam os quartos de hóspedes.

O rapaz disse que ela poderia comprar roupas de frio no saguão do hotel, que ela precisaria de algumas peças, se quisesse fazer passeios ao ar livre. Ela aceitou o argumento do rapaz e desceu para comprar as roupas de frio. Ludmila era uma linda negra de longos cabelos loiros trançados, chamava a atenção por sua beleza, simpatia e vitalidade por onde quer que passasse. Ela se surpreendeu pelo fato de quase não ver pessoas negras na Argentina, mas pelo menos não a estavam tratando mal como muitas vezes ocorria no Brasil.

Comprou as roupas, logo as vestiu, sentindo-se mais confortável. Então caminhou em direção ao restaurante do hotel, o hotel era enorme e tinha de tudo, lojas de compras, praça de alimentação, e muitas outras atrações. Ela podia ficar dias ali e não conseguiria explorar tudo que era oferecido. Ao caminhar para o restaurante, ela foi atropelada por um carrinho com louças.

Caiu no chão e irritada quis entender o que lhe havia acontecido, deu de cara com o loirinho que arrumou seu quarto mais cedo, ele estava aflito, falava apressadamente que perdeu o controle do carrinho, perguntava se ela estava bem e implorava que ela não reclamasse com a gerência. Ele falou tudo isso, mas o problema é que ele falou tudo isso ao mesmo tempo, e de maneira sobreposta e desarmônica, o que só aumentou a irritação de Ludmila, que era professora e como tal se irritava facilmente com frases sobrepostas e ininteligíveis.

Um grupo de brasileiros se aproximou para ajudá-la e logo ela já estava de pé, já tinha recebido atendimento e estava bem. O rapaz permanecia lá, falando menos, porém com semblante preocupado, as pessoas ao redor, pareciam não percebê-lo ou fingiam que ele não existia. Ludmila falou para todos que estava tudo bem, acidentes aconteciam.

A multidão se dispersou, mas o rapaz continuava lá, ela disse que o perdoava, mas que ele deveria prestar mais atenção ao conduzir carrinhos, falou isso e riu, não um riso debochado, mas um riso solto.

Hernandes a olhava boquiaberto, ele jamais conhecera uma mulher tão intensa. A primeira vez que viu Ludmila ela praguejava impropérios, a segunda estava com os olhos inflamados e vermelhos de raiva pronta para aniquilá-lo e agora ela ria de toda situação e o perdoava.

Ele se sentiu imediatamente atraído por ela, mas não via possibilidade dela lhe retribuir, estavam em planos diferentes. Timidamente, ele chegou perto dela e a entregou um cartão com seu número, disse que saia do serviço às dezoito horas e em compensação ao acidente, gostaria de levá-la para um passeio mais tarde.

Ludmila já havia reparado na beleza e juventude do rapaz, achou ele extremamente ousado e elegante em seu convite e por isso aceitou.

Aquela viagem estava sendo interessante, afinal das contas. Naquele dia ela curtiu as atrações do hotel, todas inclusas em seu prêmio, até se arriscou a esquiar na neve. Ela, a rainha do sol, estava lá montando bonecos de neve como uma criança, pensando no argentino e em qual roupa vestir para aquele passeio. Certa de não ter nada disponível para ocasião, decidiu novamente ir às compras, procurar um vestido de inverno, quem sabe. Pensou.

— Ganhei a viagem, mas estou gastando todos os meus cobres em roupas que eu nunca mais vou usar!

No quarto de hotel, tomou um delicioso banho de banheira, demorado e relaxante. Pensou em suas amigas e logo pegou o celular para mandar mensagem contando suas aventuras na neve. Contou do passeio que iria aquela noite e suas amigas ficaram tão empolgadas e histéricas que até mesmo ela começou a ficar ansiosa com o inofensivo passeio.

As oito horas estava pronta, imaginou que encontraria o rapaz, e só nessa hora se deu conta que não sabia o nome dele, enfim, imaginou que o encontraria no hall do hotel e se surpreendeu ao abrir a porta e dar de cara com ele parado em sua soleira. Faltou-lhe o ar, não sabia se pelo susto ou pelo prazer da imagem que via a sua frente.

Sorriu, pois as mulheres sorriem, em quaisquer circunstâncias em que ainda não sabem o que fazer, e estão avaliando a situação. Então disse:

— Boa noite, meu amigo atrapalhado, você ainda não me disse o seu nome e eu não costumo sair com pessoas desconhecidas.

Ao que ele respondeu:

— Me chamo Hernandes, Daniel Hernandez, seu criado!

Ela gostou do nome, dos gestos e da expressiva beleza do rapaz, naquela noite ele vestia um suéter, botas de neve e calças, combinava as peças entre si de maneira harmônica. Tinha lindos olhos azuis, cabelo loiro platinado, rosto quadrado e o corpo era atlético e escultural, fora das roupas de empregado do hotel, dava para ver melhor os contornos do rapaz. Deu os braços a Hernandez e foi curtir aquela noite.

Ele a levou para um restaurante fora do hotel, depois para uma casa de espetáculos, que fazia uma linda apresentação de tango. Engraçado que a parte da cidade onde ele a levou não fazia tanto frio, e ela estava gostando muito da companhia dele.

Na volta para o hotel, ela perguntou onde ele morava e ele disse morar no hotel, ela riu e perguntou onde, ao que ele respondeu:

— Eu não levo pessoas desconhecidas para visitar o meu lar. Ela logo retrucou com bom humor.

— Desconhecida eu, mas você inclusive já esteve em meu quarto, como eu posso ser desconhecida para você?

Chegando ao hotel, ela já se despedia e agradecia pelo passeio, quando ele a enlaçou e levou em direção a ala oeste do hotel. Ela não fez qualquer resistência, queria ver onde ele a levaria.

Chegaram a uma linda estação de patinação, ela não havia visitado aquele lugar ainda e se surpreendeu com a beleza do luar refletido no gelo. Hernandez logo apareceu com dois pares de patins, patinaram juntos, riram juntos e nem frio estavam sentindo, foram tirando as peças de frio, uma a uma.

No final estavam sentados em um banco observando o silêncio da noite, ele segurou o rosto de Ludmila e se aproximou beijando-a com intensidade, ela não queria corresponder e passar a impressão de uma colegial que se impressiona fácil, mas quando viu já era tarde, estava envolvida pelo argentino, correspondeu ao beijo.

Caminhou com ele em direção ao seu próprio quarto de hotel, e juntos tiveram uma noite deliciosa. Ela se entregou aos desejos e ele a acendia com competência. Beijava o rosto, mordiscava a orelha, descia em direção aos seios, brincava com os mamilos. Ela arqueava ansiosa por mais, ele era jovem, mas era tão gostoso e assanhadinho.

Ele foi fazendo uma trilha pelo corpo da morena, chegando ao umbigo, pulou para lateral das coxas. Ela exigia mais, então ele a acariciou intimamente com a língua, ela ardia em desejo, pedindo mais. Era só o início, ele deu tanto prazer a ela. Como estava valendo a pena aquela viagem, ela começou a gostar do frio, do inverno, da Argentina, de tudo.

Com o raiar do sol, Ludmila percebeu estar nua em sua cama, com certa ardência em seu corpo, lembrou-se da noite anterior e corou. Não viu Hernandez pelo quarto, resolveu tomar um banho, quem sabe ela não o veria dali a pouco, novamente no quarto ou no café da manhã.

Tomou o café da manhã e nenhum sinal do rapaz, pensou que ele devia estar envergonhado ou muito atarefado, afinal de contas só ela estava de férias, ele trabalhava ali. Saiu em suas excursões habituais, divertiu-se, almoçou e chegou ao último ponto do passeio daquele dia, era uma estação de patinação, a sua estação.

Chegando ela sentou-se para ouvir a história, sempre contam histórias sobre os pontos de passeio, estava pensando em Hernández, o dia inteiro pensando nele, ansiosa para encontrá-lo.

Uma imagem no telão chamou sua atenção, era ele, o seu amante da noite passada, patinando no gelo, parecia uma competição, mas como era possível? A legenda dizia: Daniel Hernandez foi o ganhador da competição de gelo naquele ano, porém teve um destino trágico, morreu atingido por um carrinho de louças desgovernado. Em homenagem ao grande patinador, a estação de gelo foi batizada em seu nome.

Ludmila estava atônita, aflita, procurou o locutor da história e quis saber se o patinador tinha deixado herdeiros, afinal aquela história havia ocorrido há mais de meio século. O locutor, se parecia demais com Hernández, só podia estar enlouquecendo! Ele tentou acalmá-la, dessa vez ela que falava apressadamente, aglutinado palavras. Ouviu a contragosto que o patinador era órfão, não tinha família e não havia deixado herdeiros, haviam apenas boatos.

Ludmila percebeu a hesitação do locutor e insistiu querendo mais respostas, sobre os boatos, alguma coisa, e ele narrou que a partir do ano posterior a morte de Hernandez, muitas moças juraram ter conhecido e saído com ele, naquele mesmo hotel.

Muito apaixonadas, todas contavam, em detalhes, uma noite de passeio com o competidor.

O curioso era que todas elas contavam exatamente a mesma história e invariavelmente apareciam grávidas, dizendo que o filho pertencia a Hernández, mas o pai sendo Hernandez ou algum argentino golpista muito parecido com ele, nunca aparecia.

Ludmila voltou aturdida ao hotel, passou na gerência e perguntou sobre os rapazes que ajudavam no serviço de quarto na esperança de resolver aquele mistério, a gerente lhe garantiu que não havia nenhum rapaz contratado por aquele hotel que trabalhasse no serviço de quarto. Ela saiu desorientada daquela conversa, comprou um teste rápido de gravidez e o resultado não poderia ser pior.

Há como ela odiava o inverno, o frio, a neve, a Argentina…


Considerações finais

Em parceria com o Caldeirão Mágico, esse foi mais um conto na categoria "Contos de Inverno" e em breve teremos mais, então, nos aguardem.


Este conto pertence à autora Diana Sousa, a obra e todos os direitos estão reservados a autora. Plágio é crime! 

Sobre a autora

Diana Sousa, uma jovem pesquisadora e escritora, nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, no fim dos anos 80. Cresceu em bairros humildes e sempre estudou em escolas públicas. Formou-se em Pedagogia pela Universidade Estadual de Minas Gerais, no ano de 2009, ano em que seu primeiro filho, Davi, nasceu. Neste mesmo ano prestou vários concursos públicos, sendo aprovada, atualmente trabalha como funcionária pública e dedica seu tempo livre aos cuidados dos filhos e a escrita de contos e histórias infantis.

Em 2014 especializou-se em Psicopedagogia Clínica e Institucional e durante a realização do curso, nasceu a ideia de se tornar autora. Sua segunda filha nasceu em plena pandemia, no ano de 2020, exatamente nesta época ela concluía sua primeira obra literária, a primeira de muitas. Em 2022 publicou seu primeiro livro: Desafios para Inclusão de Crianças com TDAH em Salas de Aula e participou como escritora selecionada em sete antologias, publicadas no segundo semestre de 2022. 

Confira suas obras e perfis aqui.


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