Como a Neve

09/05/2021

Sabe por que a chamaram Branca de Neve? Não, não foi a cor, mas a frieza em seu coração.

Uma rainha não necessariamente má, uma heroína não exatamente boa e um príncipe não tão encantado assim.

O povo a aplaudia de pé e gritava seu nome, enquanto o príncipe ao seu lado bocejava entediado. Ao longe, a rainha observava com tristeza o que tinha se tornado a garota que havia criado.

— Deu certo! — diz o príncipe ganancioso.

— Eles acreditam em tudo que vossa alteza diz — responde o criado que a abanava.

— Calem a boca vocês dois! — diz Branca. — Veremos quem me impedirá de subir ao trono. O meu trono! — diz começando a gargalhar em sua tenda enquanto o povo lá fora marcha em seu nome.

— Vossa majestade, o povo está se rebelado, estão fora de controle! — diz o capitão da guarda ao entrar na sala do trono.

— Ela conseguiu! — a rainha responde decepcionada.

— Eles começarão a marchar para o castelo, o que faremos? — pergunta, referindo-se aos poucos guardas que restaram ao lado da rainha.

— Nada. Não lutarei contra o meu povo! — diz levantando-se e caminhando até a janela.

— Vossa majestade, eles tomarão o trono! — insiste.

— Pois que fiquem com ele, não levantarei uma espada contra meu povo! Contra minha filha...

Uma lagrima escapa, congelando em sua face, enquanto da janela observa a neve caindo lá fora.

— Mas majestade...

— Basta! Deixe-me sozinha.

O capitão se retira enquanto ela, de coração partido, recorda-se do dia em que tudo começou.

— Majestade a coroação começará em breve. Não vai se preparar? — pergunta Mary, sua criada, ao entrar no aposento real.

— Coroação? Meu marido acabou de morrer! — responde ofendida com a ideia de ser coroada logo após o velório do rei.

— A coroação de Branca, vossa majestade — lembra a criada.

— O quê? — questiona confusa, se levantando no mesmo instante.

Em seus aposentos, a princesa se prepara para seu discurso de coroação, quando a porta é repentinamente aberta. Uma figura de aparência e roupas fúnebres entra a passos apressados.

— O que pensa que está fazendo? — diz furiosa enquanto Branca se admira no espelho ao ser arrumada por duas criadas.

— Mamãe, veio me desejar boa sorte?

— Como pode almejar ser coroada no dia da morte de seu pai?! — diz numa mistura de fúria e decepção.

— Papai está morto, o reino precisa de um governante — responde, sem desviar sua atenção do espelho.

— Mande cancelar esta coroação imediatamente — diz a uma das criadas que se levanta imediatamente.

— Não! — diz Branca, fazendo-a parar no meio do quarto confusa. — Eu serei coroada hoje!

— Como sua mãe e rainha, ordeno que cancele isto agora! — diz para a princesa, que agora a encara carrancuda.

— Eu não vou fazer isso, Regina — cospe a última palavra de maneira perversa e dissimulada.

— Você acaba de provar que não está pronta para assumir o lugar de seu pai — declara, ignorando a forte emoção que suas palavras lhe causaram antes de se retirar.

Naquela tarde fatídica, Regina sentou-se ao trono de seu recém-falecido marido. Ainda com seu vestido preto de luto e lagrimas nos olhos, declarou que assumiria o trono até que a princesa se casasse com um príncipe digno do trono. E o povo aplaudiu de pé a rainha que, até então, havia governado com benevolência ao lado do rei.

— O que você fez?! — questiona a princesa furiosa ao entrar na sala do trono, maravilhosamente produzida para sua coroação, onde apenas a madrasta a aguardava, sentada na cadeira ao lado direito do trono.

— Fiz o que deveria ser feito. Agora vista um traje de luto e vá honrar a memória de seu pai!

— Você vai pagar por isso!

Mais tarde naquela mesma noite, a rainha desolada perguntava às estrelas — no que havia se tornado sua garotinha? Teria cometido algum erro? — um clamor mudo ecoava de seu coração, que de um instante para o outro fora cruelmente arrasado.

Enquanto isso, furiosa em seu quarto, Branca pensava em maneiras de assumir o trono. E assim a princesa, outrora benevolente e amável, tornara-se fria e gananciosa, esquecendo-se das boas lições que lhe ensinara seu pai.

Depois disso logo casou-se com um príncipe, dissimulado, movido pela mesma ganância, para o qual a rainha também se negou a entregar o trono. E então, a grande empreitada começou.

A doce e injustiçada princesa e o príncipe encantado que a salvara, da cruel rainha má, que matara seu pobre pai para usurpar-lhe o trono. Logo foram apoiados por todo o povo, severamente manipulado.

Em seu trono, a rainha aguardava sentada enquanto seus súditos, guiados por Branca e o Príncipe, invadem o castelo. Branca sorri vitoriosa enquanto Regina levanta-se do trono, expressando em seu olhar toda a mágoa e decepção que sentia.

Ignorando as afrontas de seu povo, caminha de queixo erguido para fora e a nova rainha, majestosamente, sobe ao trono. Mas num ímpeto de fúria ela se vira novamente, estendendo as mãos em direção a nova rainha.

— Eu amaldiçoo este reino e o condeno a seu atroz coração congelado! E nenhum sol nascerá outra vez em sua presença! — ao fim destas palavras, seu vestido branco torna-se completamente negro, enquanto sai sem olhar para trás.

Regina, até hoje conhecida como rainha má, desapareceu e nunca mais foi vista. Branca se arrependeu do que havia feito, mas nada pode fazer para quebrar a maldição. O príncipe, cheio de encantos e malícia, logo enganou a jovem e inexperiente rainha, usurpando dela o trono. Consumida pela culpa, ela isolou-se no alto das montanhas congeladas, em um palácio feito de gelo onde passou o resto de seus dias.

E assim, o verão foi banido daquele reino. Gerações nasceram e morreram sem nunca conhecer o sol. Tudo por causa da ganância, do coração de gelo da princesa, que ficou conhecida como Branca de Neve.


— Vovó, conte outra história!

— Agora, vocês precisam dormir — responde a velha senhora às crianças agasalhadas a beira da lareira, enquanto a neve lá fora continua caindo.


Esta é uma obra de K. Muniz. 

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